domingo, 15 de março de 2009

CRÉDITO HABITACIONAL NA VISÃO DE UMA ESPECIALISTA

Principalmente para quem gosta de discutir as questões urbanísticas- com viés municipalista, indico a imperdível entrevista, publicada esta semna na Revista ISTO É, da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, 52 anos, professora da Universidade de São Paulo (USP), é referência mundial quando o assunto é habitação. Diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo (1989 a 1992) na gestão de Luiza Erundina e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003 a 2007), ela foi convidada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em maio do ano passado, para ser relatora especial para o Direito à Moradia da instituição. No Brasil, não poupa críticas ao avaliar as escolhas do governo referentes ao déficit habitacional. "Os investimentos se concentraram na ampliação do crédito. E 91% da população que compõe o déficit habitacional no Brasil ganha entre zero e três salários mínimos. Essas pessoas não têm renda suficiente para ter crédito", diz ela. Às vésperas do anúncio do pacote habitacional do governo Lula, que promete movimentar R$ 70 bilhões e construir um milhão de casas até 2010, a urbanista permanece cética. "No Brasil, um plano de ampliação do crédito imobiliário teria um agravante. Como não há política efetiva para o uso consciente do solo urbano, é bem possível que o crédito financie a construção de imensas e novas periferias", diz a urbanista, que é casada e mãe de duas filhas.
-
ISTOÉ - O pacote habitacional do governo Lula deve estabelecer como meta a construção de um milhão de casas até o final de 2010. Ele contempla as principais questões habitacionais brasileiras?

Raquel Rolnik - Estou preocupada com o pacote. E o que me preocupa é a tendência, já demonstrada pelo governo, de focar toda a política habitacional na ampliação da concessão de crédito. Esse modelo vem mostrando fraqueza desde o estouro, nos Estados Unidos, da bolha de crédito subprime (empréstimos de alto risco que culminaram na atual crise econômica).

Fica a lição: tratar a moradia como mercadoria, como ativo financeiro não dá certo. No Brasil, um plano de ampliação pura e simples do crédito imobiliário teria um agravante. Como não há política efetiva para o uso consciente do solo urbano, é bem possível que se financie a construção de imensas e novas periferias em torno das grandes cidades.

ISTOÉ - Mas não podemos pensar em um modelo de urbanização como o americano, com subúrbios integrados às grandes cidades?

Raquel - O modelo do subúrbio integrado americano já era. Não é economicamente viável transportar milhões de pessoas de um lugar para outro todos os dias em tempos de alta no petróleo e controle da emissão de poluentes. E, mesmo que esse modelo ainda fosse viável, ele é bastante improvável, já que dificilmente haverá investimento proporcional à concessão de crédito em infraestrutura como linhas de trem e ônibus para levar trabalhadores dos centros urbanos para essa periferia e vice-versa.

Só crédito não resolve o problema da habitação. Os efeitos da ampliação desordenada do crédito imobiliário não são novos. Países como México e Chile, que puseram em prática programas semelhantes ao que está se desenhando por aqui, acabaram com imensas periferias, mas exclusivamente residenciais, sem escolas e hospitais ou integração com a cidade.

15/03/09

14h51min.

adelsonpimenta@ig.com.br